Denunciar ao governo está na moda

Rui Cruz
Como já passou meio ano, metade do mundo já se esqueceu que trabalhava numa empresa da área da deficiência da visão. Isto não só me dá uma perspectiva única, como, passado seis meses, a liberdade profissional de intervir activamente em discussões que outrora por bom senso não o fiz.
Cada vez que existe algum problema, o que as pessoas – e neste caso refiro-me particularmente ás pessoas com deficiência – tendem em recorrer a instâncias administrativas mais altas, normalmente instâncias governamentais. Ora, se o governo não arruma a casa, como é que pode ir dar ordens nas dos outros? Ou se preferirem, se o governo tem telhados de vidro, porque é que se deve por a atirar pedras a outros departamentos, muitas das vezes fora das suas competências?
Esta e outras questões têm uma simples resposta: aos deficientes devem e têm o direito a serem ouvidos. Esse direito, dado noutros países, tem que ser pedido em Portugal. Não por serem menos deficientes ser em Portugal.
Sugere-se então aos lesados, injuriados, maltratados, privados de liberdade de expressão por não terem intérprete de língua gestual como se ouviu hoje na Praça da Alegria, crianças com dislexia deixadas de parte no Decreto 03/2008, e outras pessoas lesadas, o favor de não mandarem atirar outras pessoas atirar pedras e de resolver o problemas internamente. Primeiro, porque ninguém gosta de levar com letras, e depois porque ninguém gosta de ser mandado a fazer o contrário. E isto, puramente uma informação pessoal, mas acrescentaria ainda que dá muito mais gozo ver as pessoas que nos disseram “não” dizerem que “sim”, do que serem mandadas dizerem que “sim”.
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Pensemos desta forma: se formos falar ao papa de um problema local com o padre da paróquia do bairro e falarmos em Português, será que ele ia entender o que estamos a dizer? E porque é que o Presidente do não-sei-das-quantas do governo vai entender a discriminação que uma pessoa deficiente visual sofre na universidade, conhecendo-a por escrito ou mesmo na televisão, em vez dos professores e reitores? Se nada disto resolver, que se tente os tribunais.
Resumindo: o povo português está muito numa de “vou-me queixar à instância mais alta que encontrar”. Devia era queixar-se aos profissionais e organismos públicos. Sabiam que a maior parte dos organismos públicos arquivam cartas e são alguns deles obrigados a darem resposta? Afinal, vocês que denunciam aos sete muitos e à instância mais alta irão receber uma resposta tão ou mais rapidamente do que se estiverem à espera do governo.
Pensem nisso. Ou então, façam uma queixa que acaba em papel cortado ás tiras para encher embrulhos para os correios.
Rui