O Brasil e a internet

Rui Cruz
A internet veio mexer com o poder do Estado. Existem mais de 200 países, e cada um deles tem a sua própria maneira de lidar com o problema. Alguns querem banir restrições à privacidade das pessoas, outros constroem uma “Great Firewall” e já vão muito mais desenvolvidos no uso da tecnologia para classificar e controlar os cidadãos. Outros ainda, como o Uganda, taxam o uso de redes sociais de uma forma bastante original.
De um modo geral, a forma como o Estado regula a internet tem muito a ver com as tradições culturais e históricas do respetivo país. Em Portugal e no Brasil assiste-se a um certo “deixa andar” e “chutar para a frente”, na melhor das hipóteses. Os brasileiros, seguramente, herdaram alguns dos nossos traços culturais.
Vem isto a propósito da relação estranha que os brasileiros têm com os jogos de azar e as apostas desportivas, que é bastante mais “portuguesa” que a nossa própria. Em suma, os brasileiros olham para o jogo como um vício social e um pecado. A atividade dos casinos foi proibida em 1946 e assim continua até hoje (nem sequer Salazar pensou em fechar os casinos do Estoril ou da Figueira por serem contra a moral social). Já quanto às apostas desportivas, não só são proibidas como é proibido aos jogadores apostarem se a aposta for registada em solo brasileiro.
Tem havido esforços no sentido de legalizar o jogo, ou pelo menos aproximá-lo daquilo que é a norma no nosso século, mas até agora em vão.
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E na internet? Não se passa nada
Esta proibição com 70 anos tem efeitos caricatos. Em vários países vizinhos do Brasil, empresários cheios de bom senso ergueram casinos mesmo em frente à fronteira, prontos a receber os jogadores que não podem jogar no seu próprio país. Por todo o lado, florescem salas ilegais, que a polícia manda fechar continuamente, e que atuam sem qualquer respeito pelos “usuários”, como eles dizem.
E quanto à internet? Está tudo “liberado”. Sites como o ApostasBrazil fazem sucesso porque as casas de apostas estão baseadas em países estrangeiros. Da mesma forma, os casinos online estão livremente acessíveis através de qualquer computador ou telemóvel, pelo mesmo motivo – estarem baseados no estrangeiro, com as suas sedes sociais, os seus servidores e os seus escritórios, logo fora do alcance da lei brasileira.
Esta situação bizarra de restrição total do jogo em termos “físicos” e ausência de regulação no mundo virtual reflete, é certo, a falta de consenso que há na sociedade brasileira atualmente sobre esta matéria. Os defensores da legalização dos jogos de azar ainda não conseguiram ter força para fazer passar uma nova lei nas câmaras parlamentares brasileiras; por outro lado, sentindo o movimento social inverso, os defensores da proibição não se atreveram a levantar a hipótese de restringir o que se passa na internet.
Todavia, na prática, esta é uma situação muito “à portuguesa”, de assumir uma determinada posição e depois fazer de conta que nada se passa em contrário. Será que o Brasil vai conseguir encontrar uma solução mais adulta para esta questão?