Quando a PSP censura um jornalista

Rui Cruz
Criado a

Caros amigos, o post é longo. Mas leiam até ao fim.

Normalmente não sou de fazer posts a queixar-me da vida, mas vou claramente abrir uma excepção.

Não porque o passe a fazer daqui para a frente, mas porque entendo ser absolutamente necessário expor o que aconteceu no dia 9 de Abril de 2016 à liberdade de imprensa em Portugal.

Para quem não sabe, sou director de informação do Tugaleaks e tenho credenciais de jornalista, tudo legalmente e no cumprimento da lei.

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No dia 9 de Abril resolvi sair da minha casa e ir fotografar a Marcha Animal 2016. Assim o fiz, sendo o resultado evidente disso. Gosto de disponibilizar fotos em bruto, ou seja, mesmo que não tenham a perfeita qualidade, as pessoas podem gostar delas e usarem-mas. As fotos, porém, costumo publica-las numa notícia do Tugaleaks. Mas naquele dia não o fiz. E a culpa é da PSP.

Estive desde as três e pouco da tarde até cerca das cinco e meia em pé, a andar de um lado para o outro, a fotografar. Foram quase 200 fotos que tirei do Campo Pequeno à Assembleia da República. Chegado ao local que se diz ser o expoente da democracia, decidi entrar no local onde todos os jornalistas – incluindo eu – já entraram: o cimo da escadaria, na porta central da Assembleia. O local estava vedado, como sempre estava. E eu pedi licença apresentando o meu cartão de jornalista, como sempre o fiz. Mas algo não correu bem.

– “Não pode passar”, disse um agente, que mais tarde soube chamar-se Santos.

Expliquei-lhe que era jornalista, mostrando o meu cartão identificativo, e que era perfeitamente normal estarmos naquele local. De nada valeu. Chamou a sua chefe, que soube chamar-se Zaura, e também de nada valeu. Não podia entrar porque tinham ordens para ninguém (?) entrar.

Já a perder a paciência (mas sempre com educação e respeito) pedi para a chefe do agente Santos falar com o chefe dela, explicar que sou jornalista e que sempre estiveram jornalistas naquele local. Minutos depois, nova resposta: não.

Mas afinal o que iria eu fazer ali, perguntam vocês? Como sabem – quem vai às manifestações certamente sabe – os jornalistas ficam ao cimo da escadaria na Assembleia, ora a filmar, ou a escrever ou mesmo a fazer directos. Mas sabem qual era o problema? É que naquele dia, naquele momento, eu era o único jornalista ali. Ou pelo menos, o único identificado e que queria ir para lá, para tirar as fotos do cartão SD e coloca-las online ao mesmo tempo que fazia uma notícia para o Tugaleaks. Pelo que vi, os outros órgãos de comunicação social limitaram-se a fazer notícias no início e no Campo Pequeno. Eu acompanhei a marcha até ao fim. São estilos diferentes de noticiar, suponho eu. 🙂

Só posso aceitar como explicação duas coisas, ambas más:

  • Como eu era o único, não “tiveram para se chatear”
  • Ignoraram completamente o direito dos jornalistas em estar em locais públicos e em zonas de acesso reservadas aos media (números 1.º e 2.º do Artigo 9.º do Estatuto dos Jornalistas)

Parece-me que foi a segunda opção. É que se fosse eu mais um cameraman da RTP ou de outro “grande”, certamente as coisas seriam diferentes. E por isso não fiz notícias porque não tinha condições no meio de uma manifestação de abrir um PC e começar a escrever. Acabei por divulgar as fotos, sem qualquer notícia. Como muitos sabem, em 2012 e 2013, quando existiram as maiores manifestações em Portugal – ou pelo menos, as mais regulares, sempre estive presente e sempre fiz notícias.

Considero que a PSP cometeu um atentado à liberdade de imprensa, impensável no ano de 2016 e me desrespeitou como profissional. E é, basicamente por isto, que escrevo este post. Para contar a minha história e para alertar de que para a próxima não devem fazer o mesmo. Alias, nunca mais devem fazer o que fizeram.

 

E agora?

Estou a verificar a possibilidade – bastante forte – de avançar com uma queixa-crime pelo já referido atentado à liberdade de imprensa e também de apresentar uma queixa junto do organismo que emite as carteiras de jornalistas. Irei também contactar a Assembleia da República para lhes dar conta desta situação.

Infelizmente não sou sindicalizado (a minha “classe” de jornalista não pode ser representada). E aposto que se fosse, as coisas poderiam ser diferentes: eu teria mais ajuda e eles teriam mais “força” em passar a mensagem de censura que aqui vos deixo.

Mas eu sempre acreditei no poder do social media. Por isso, se de alguma forma repudias o que aconteceu, partilha esta mensagem por quem achares que a deve ler.

 

Obrigado por leres.

Rui